Fazer previsões não costuma ser trivial, traçar um panorama da aviação para os próximos meses em meio ao que a GARS (German Aviation Research Society) considera um choque sem precedentes, com toda a dinâmica da pandemia, de crises políticas e da recessão iminente torna as coisas ainda mais complicadas. Dedicar um artigo ao futuro da aviação de modo a explorar todas as facetas da crise trazida ao setor pelo COVID-19 seria um pretensioso exercício de futurologia. A ICAO (International Civil Aviation Organization), por exemplo, traçou modelos de recuperação econômica e há outros estudos similares para tópicos específicos.
Dito isso, o presente texto se limita a compartilhar breves insights do que se pode esperar para alguns seguimentos da aviação geral brasileira no pós-COVID-19, a exemplo de John Zimmerman em um dos seus artigos publicados no Air Facts, sobre a aviação geral americana. A primeira vista, há boas razões para crer na sua capacidade para atravessar a crise de maneira menos funesta que outros seguimentos aeronáuticos .
Carreira
Em um passado não muito distante, a contratação de pilotos qualificados era um dos grandes desafios das companhias aéreas. O problema era global, a Emirates, por exemplo, chegou a criar a própria escola de aviaçãoe pesquisas como a da ICAO “Addresses Shortage of Skilled Aviation Professionals” , indicavam a carência de milhares de profissionais para os próximos anos. Além da demanda interna crescente, empresas internacionais também cooptavam os talentos brasileiros.
Com a pandemia essa questão foi posta de lado temporariamente. Há muitas discussões sobre quais mudanças do mercado se tornarão permanentes, entretanto, é provável que a aviação se reerga aos patamares do fim de 2019 dentro de alguns anos, e apesar dos avanços tecnológicos, dificilmente o voo autônomo se popularize nesse intervalo. No mais, mundo afora, muitas companhias em seus planos de contingência estão acelerando a aposentadoria de pilotos. A recuperação da aviação provavelmente retomará a disputa por tripulantes, em especial pelos com melhor qualificação.
Tendo em vista que a formação de um piloto é um projeto de médio a longo prazo, esse pode ser um bom momento para se iniciar ou dar continuidade aos estudos. Espera-se que o funcionamento de aeroclubes e escolas de aviação passe por adequações de modo a atender as novas normas sanitárias, com mais cuidado na higienização dos espaços de convivência e aeronaves, uso de máscaras, atenção ao distanciamento, exames periódicos dos instrutores e alunos, etc.
Ainda no começo da pandemia a ANAC emitiu uma nota técnica caracterizando como essenciais, dentre outras atividades, a formação de pilotos, o que trouxe mais tranquilidade ao setor ao garantir a continuidade das atividades mesmo durante a pandemia, demonstrando sua importância.
Hobby
Outro pilar da aviação geral é o voo recreativo, nele a questão financeira é crucial. A maioria dos economistas concorda que há uma crise financeira a caminho, muitas pessoas têm dúvidas sobre a manutenção dos seus empregos e salários. Nesse panorama é racional cortar despesas não essenciais, dentre elas os custos relacionados a aviação. A desvalorização do real também pesa contra a prática, pois pode encarecer o custo de manutenção das aeronaves.
Por outro lado, espera-se que em breve as medidas restritivas sejam flexibilizadas e se tenha uma melhor perspectiva de como a economia deve se comportar ao longo dos próximos meses. Com mais previsibilidade muitas pessoas podem se sentir confortáveis em voltar a praticar o voo como hobby.
O relativo isolamento que essa modalidade permite, a torna convidativa em relação a outras, e como atividades em grupo devem permanecer restritas por um período maior, os amantes da aviação terão mais tempo e recursos para dedicarem exclusivamente a aviação.
Transporte
Em um primeiro momento, o distanciamento social levou ao cancelamento de reuniões, conferências e toda a sorte de eventos. Muitos apostam em uma nova forma de trabalho, com a alta do homework e das reuniões digitais como um legado definitivo da crise. Entretanto, a experiência com reuniões online tem mostrado suas limitações e a longo prazo é difícil imaginar substitutivos para encontros presenciais, principalmente, quando se trata de acordos importantes envolvendo assuntos sensíveis ou grandes somas de capital.
Se tratando de viagens de negócio, é provável que a aviação privada tenda a ser preferida às companhias aéreas tradicionais. Algumas empresas antes da crise já incentivavam o voo de executivos em aeronaves fretadas e essa política deve se tornar mais comum em meio a nova normalidade.
Até sua completa recuperação, a aviação comercial reverá suas rotas, pelo menos por um tempo as menos lucrativas devem ser deixadas de lado, o número de voos diários entre os diferentes destinos deve diminuir e há uma indefinição em relação aos custos das passagens. Resta também um fator psicológico: muitas pessoas não se sentem mais confortáveis em passar horas sentadas em um ambiente confinado com centenas de desconhecidos, mesmo que não haja embasamento técnico-científico para isso .
Nesse ínterim os benefícios do voo privado se destacam.
Pode-se gerenciar melhor a logística, mesmo agora quando muitos dos aviões comerciais estão on ground e apenas uma malha reduzida segue em operação, pilotos particulares têm a liberdade de traçar rotas para uma quantidade maior de destinos; pode-se operar de aeroportos menores e com menos aglomerações; planejar o trajeto e com isso evitar pernoites em hotéis e deslocamentos desnecessários; com uma menor ocupação é mais simples garantir que não há nenhum infectado a bordo — só para citar alguns exemplos.
As viagens pessoais têm um destino mais incerto. Será preciso esperar que a transmissão esteja controlada e que o isolamento social seja flexibilizado para que se possa considerar a hipótese da retomada de viagens turísticas, do que adiantaria, por exemplo, voar para um destino turístico no litoral se as praias, bares, restaurantes e tudo mais estão fechados? O país é continental e a pandemia está se espalhando de formas diferentes em cada região, assim como os meios para enfrentá-la, é difícil precisar por quanto tempo medidas sanitárias que estão desincentivando ou mesmo proibindo o turismo durarão.
Terminada a primeira onda em solo nacional, com a perspectiva de desvalorização do real e com a possibilidade de fronteiras internacionais manterem-se fechadas por mais tempo é provável que a demanda por voos turísticos aumente, a depender, de como se comportará a economia.
Fim à vista?
Por enquanto não há como saber de fato quando e como a crise causada pelo COVID-19 chegará ao fim. Em relação à aviação, primeiro é preciso resolver a crise da saúde e reaquecer a economia, para então avançar em sua retomada.
No melhor dos cenários uma vacina deve estar disponível no final do ano e ser distribuída por aqui até meados do próximo, há também pesquisas promissoras envolvendo tratamentos que podem ser lançados antes desse prazo; em um mais pessimista, pode ser necessário ainda muitos meses de medidas de distanciamento .
De qualquer forma o COVID e suas implicações serão a realidade por mais algum tempo. Lições serão aprendidas e mudanças permanentes virão, isso é certo. Diante de todas as incertezas, a flexibilidade que caracteriza a aviação geral será essencial para passar por essa que pode ser a maior turbulência de nossas carreiras.
E você, o que espera da aviação nos próximos meses?
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