Embora ser um bom piloto demande bem mais do que evitar se envolver em acidentes – ou incidentes – esse é um bom ponto de partida para garantir sua segurança seja na aviação geral ou comercial. Tomando essa mentalidade como princípio, uma das formas de se evitar situações de risco é entender como elas ocorrem e, nesse sentido, o estudo de casos anteriores têm muito a nos ensinar, afinal, a maior parte dos acidentes foi causada pelo “fator humano“. Portanto, compreendê-los permite direcionar as medidas preventivas de forma assertiva, contribuindo com a segurança do voo.
A saber, o CENIPA disponibiliza em sua página um conjunto de estatísticas relacionadas às ocorrências aeronáuticas, dessas, daremos maior atenção às referentes à aviação particular – na qual se enquadra a maioria dos assinantes da NexAtlas. Entretanto, antes de iniciarmos uma análise desses dados é importante definir a diferença entre acidente e incidente no contexto aeronáutico.
Acidente X Incidente
Nesse sentido, o IAC 060-1002A define acidente como:
“Toda ocorrência relacionada com a operação de uma aeronave, havida entre o período em que uma pessoa nela embarca, com a intenção de realizar o vôo, até o momento em que todas as pessoas tenham dela desembarcado e, durante o qual, pelo menos uma das situações a seguir ocorra:
a) qualquer pessoa sofra lesão grave ou morra como resultado de estar na aeronave, em contato direto com qualquer uma de suas partes, incluindo aquelas que delas tenham se desprendido, ou submetida à exposição direta do sopro de hélice, rotor ou escapamento de jato, ou às suas conseqüências;
b) a aeronave sofra dano ou falha estrutural que afete adversamente a sua resistência estrutural, o seu desempenho ou as suas características de vôo, exigindo a substituição de grandes componentes ou a realização de grandes reparos nos componentes afetados, com exceção de: danos no motor, suas carenagens ou acessórios; danos nas hélices, pontas de asa, antenas, pneus, freios, carenagens do trem; amassamentos leves e pequenas perfurações no revestimento da aeronave;
c) a aeronave seja considerada desaparecida ou o local onde se encontre seja absolutamente inacessível. “
Já os incidentes são todo evento associado a operação de uma aeronave, que afete a segurança da operação mas que não tenha consequências tão sérias quanto um acidente, conforme o IAC 139-1002.
A saber, o escopo desse texto se concentra nos acidentes aeronáuticos da aviação particular. A princípio por terem consequências mais sérias que os incidentes como também serem mais frequentes entre os registros.
Segurança na Aviação Geral – tendências
A princípio, as estatísticas a seguir abrangem acidentes ocorridos em solo nacional no período de 2008 a 2017. Elas envolvem diversos tipos de aeronaves (asas fixas, rotativas, planadores, balões…) e operações, das quais focaremos no voo privado.
Os dados provêm de todas as fases da investigação, isto é, alguns têm origem em investigações concluídas ao passo que outros de investigações que, à época da divulgação do relatório, se encontravam abertas.
Conforme os registros, no intervalo de tempo analisado, ocorreram 636 acidentes, aliás, a maioria causou danos substanciais às aeronaves envolvidas e cerca de um quarto resultou em lesões graves ou fatalidades aos ocupantes. O número variou em um crescente, saindo de 49 em 2008 atingindo um máximo em 2012 e daí em diante, reduzindo para 60 acidentes ao ano em 2017.
Tipos de Ocorrências
O levantamento do número de acidentes classificados quanto o tipo de ocorrência indica que quase 30% deles envolveu perda de controle (no solo ou em voo). A perda de controle em voo logo após a decolagem costuma acarretar em acidentes muito graves conforme os dados da AOPA, mas stalls durante a aproximação ou mesmo o voo de cruzeiro não podem ser negligenciados. Igualmente, as perdas de controle em solo, embora tendam a ter consequências menos sérias podem garantir uma longa e cara estadia da sua aeronave em uma oficina.
Falhas no motor representam cerca de um em cada cinco eventos. Apesar de que muitas delas possam ser revertidas em voo, os números evidenciam seu potencial catastrófico, e reforçam a necessidade de seguir as recomendações de manutenção do sistema motopropulsor.
Modelos de Aeronaves
Legenda:
- BE58 – Beechcraft Baron 58
- C172 – Cessna 172 Skyhawk
- C182 – Cessna 182 Skylane
- C210 – Cessna 210
- IPAN – Embraer EMB-200 Ipanema
- P28R – Piper PA-28
- P28T – Piper PA-28RT/Embraer EMB-711 Corisco
- P32R – Piper Saratoga
- PA32 – Piper PA-32 Cherokee
- PA34 – Piper Seneca
- SR22 – Cirrus SR22
- AS50 – Aérospatiale AS-350 Ecureuil
- R44 – Robinson R44
Certamente os dados do CENIPA não são nenhuma surpresa nesse aspecto. Em suma, as principais aeronaves a se envolverem em acidentes, com exceção dos helicópteros R44 e AS-350, são os aviões mais comuns da aviação geral. Todos modelos a pistão de pequeno porte, os únicos bimotores são o BE58 e o PA34. Ademais, destaque para o Ipanema, que sozinho corresponde a quase 10% dos acidentes e reforça os perigos do voo baixo e lento da aviação agrícola.
Habilitação operacional do piloto
Legenda:
- MNTE – Avião Monomotor Terrestre
- MLTE – Avião Multimotor Terrestre
- HMNC – Helicóptero Monomotor Convencional
- HMNT – Helicóptero Monomotor a Turbina
Assim como os dados referentes ao tipo de aeronave já poderiam indicar, a maioria dos acidentes ocorreu com pilotos de aviões monomotores, o maior grupo dentro da aviação geral.
Tipo de operação
O gráfico mostra como o voo privado é responsável pela maioria dos acidentes aeronáuticos, em segundo lugar vem as operações agrícolas. Juntos, são praticamente a totalidade das ocorrências.
Fase da operação
Dos dados apresentados, apenas um em cada cinco acidentes ocorreu em voo de cruzeiro. Tanto pouso e decolagem, quanto etapas subsequentes são os momentos mais críticos, e por isso demandam mais atenção, seja durante o voo, planejamento ou treinamento.
Fatores Contribuintes
A análise do gráfico acima, além de explicitar os principais fatores apontados como causas de acidentes, pode ser usada para antecipá-los. Pergunte-se a si mesmo, como anda o seu julgamento em voo, especialmente em situações inesperadas que demandam medidas urgentes; se você está realizando um planejamento de voo adequado ou se por exemplo, tem a devida proficiência em sua aeronave. Estudar as causas de acidentes reais ajuda a compreender o que pode dar errado em seu próximo voo e ajuda a tomar atitudes para evitar que o pior aconteça contribuindo, assim promovendo a segurança na aviação geral ou não.
Lasers e balões – perigos para a aviação geral
Aliás, além de outros fatores de risco inerentes a aviação como mau tempo e colisão com aves, no que se refere a segurança de voo da aviação geral, infelizmente o piloto brasileiro tem que estar precavido em relação a ocorrências com balões e lasers. Dessa forma, o Sumário Estatístico – Aeródromos o CENIPA inclui uma série de dados cujo estudo pode ter alguma utilidade.
Laser – Consequências
A maior parte das ocorrências resultou em distrações ou ofuscamento e como grande parte se deu à noite durante procedimentos IFR em pousos ou decolagens pode-se perceber o potencial para gerar acidentes desse tipo de perturbação.
Laser – Aeródromos
Legenda:
- SBVT – Aeroporto Eurico de Aguiar Salles, Vitória – ES
- SBKP – Aeroporto Internacional de Viracopos, Campinas – SP
- SBBH – Aeroporto Carlos Drummond de Andrade, Belo Horizonte – MG
- SBGR – Aeroporto Governador André Franco Montoro, Guarulhos – SP
- SBGO – Aeroporto Santa Genoveva, Goiania – GO
- SBFZ – Aeroporto Pinto Martins, Fortaleza – CE
- SBUL – Aeroporto Tenente Coronel Aviador César Bombonato, Uberlândia – MG
- SBRP – Aeroporto Dr. Leite Lopes, Ribeirão Preto – SP
- SBBR – Aeroporto Presidente Juscelino Kubitschek, Brasilia – DF
- SBLO – Aeroporto Governador José Richa, Londrina – PR
O gráfico mostra os aeródromos com maior número de reports. A possibilidade de se deparar com um laser apontado para a sua cabine deve ser levada ainda mais a sério quando se planeja um voo para algum deles.
Balões
Entre 2010 e 2017 o CENIPA registrou 2283 ocorrências, em sua grande maioria avistamentos. Entretanto, a possibilidade de colisão com um balão é real e suas implicações podem ser gravíssimas visto que, além de possuírem certa massa, usualmente transportam explosivos ou carregam botijões de gás. Ainda conforme o Sumário estatístico esses eventos tem se tornado mais comuns e costumam ocorrer mais frequentemente aos finais de semana.
Legenda:
- SBGR – Aeroporto Governador André Franco Montoro, Guarulhos – SP
- SBKP – Aeroporto Internacional de Viracopos, Campinas – SP
- SBSP – Aeroporto Deputado Freitas Nobre, São Paulo – SP
- SBRJ – Aeroporto Santos Dumont, Rio de Janeiro – RJ
- SBGL – Aeroporto Internacional Tom Jobim, Rio de Janeiro – RJ
- SBCT – Aeroporto Internacional Afonso Pena, São José dos Pinhais – PR
- *** – Distante de um aeródromo
- SBJR – Aeroporto Roberto Marinho, Jacarepaguá – RJ
- SBJD – Aeroporto Comandante Rolim Adolfo Amaro, Jundiaí – SP
Agindo
Ao se debruçar sobre as estatísticas de segurança da aviação geral, pode-se perceber que há acidentes com alta probabilidade de ocorrerem e que são facilmente evitáveis com os causados por pane seca e grande parte das paradas de motor- comece concentrando suas atenções para planejar como evitá-los. Além disso, a maioria ocorre na aproximação/pouso ou decolagem/subida, repense suas atitudes nesses momentos e pratique, especialmente visando imprevistos ou condições adversas.
Também é importante garantir que a manutenção da aeronave em que se vai voar – sua ou não – está sendo feita adequadamente, cumprindo os períodos e por pessoal qualificado. Componentes e serviços baratos e de qualidade duvidosa podem sair muito mais caro do que optar desde o início por seguir as normas.
No mais, planeje cuidadosamente seu voo, isso evitará contratempos com o clima ou combustível, por exemplo. Acidentes são inevitáveis, mas agindo proativamente em razão da sua segurança as chances de se envolver em algum evento catastrófico diminuem consideravelmente.
Os dados das estatisticas te surpreenderam de algum modo?
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